segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O QUE VIRÁ AGORA?


Eric Hobsbawm
“The Guardian” – 10 de abril de 2009
O século 20 já ficou para trás, mas ainda não aprendemos a viver no século 21, ou, pelo menos, a pensar de um modo adequado a ele. Isso não deveria ser tão difícil quanto parece, porque a ideia básica que dominou a economia e a política no último século evidentemente desceu pelo ralo da história. Era o modo de pensar as economias industriais modernas, ou, na realidade, quaisquer economias, em termos de dois opostos mutuamente excludentes: capitalismo ou socialismo.
Já passamos por duas tentativas concretas de realizar esses dois opostos em sua forma pura: as economias estatais centralmente planejadas do tipo soviético e a economia capitalista de livre mercado totalmente sem restrições ou controles. O primeiro sistema faliu na década de 1980, e, com ele, os sistemas políticos comunistas europeus. O segundo está entrando em colapso diante de nossos olhos, na maior crise do capitalismo global desde a década de 1930. De algumas maneiras, é uma crise maior que a da década de 1930, porque, na época, a globalização da economia não estava tão adiantada quanto está hoje, e a crise não afetou a economia planejada da União Soviética. Ainda não sabemos quão graves e duradouras serão as consequências da crise do mundo atual, mas elas certamente assinalam o fim da espécie de capitalismo de livre mercado que tomou conta do mundo e seus governos nos anos passados desde Margaret Thatcher e o presidente Reagan.
Portanto, tanto aqueles que acreditam em algo que equivale a um capitalismo de mercado puro, sem Estado –uma espécie de anarquismo burguês internacional– quanto os que creem num socialismo planejado, não contaminado pela busca privada do lucro, não têm saída. Ambos os sistemas estão falidos. O futuro, assim como o presente e o passado, pertence a economias mistas, em que o público e o privado se entrelacem de uma maneira ou de outra. Mas como? Esse é um problema para todo o mundo hoje, mas especialmente para as pessoas da esquerda.
Ninguém pensa seriamente em retornar aos sistemas socialistas do tipo soviético –não apenas devido às suas falhas políticas, mas também por causa do crescente torpor e ineficiência de suas economias–, mas isso não nos deve levar a subestimar suas realizações sociais e educacionais impressionantes. Por outro lado, até o livre mercado global implodir, no ano passado, até mesmo os partidos social-democratas ou outros da esquerda moderada nos países ricos do capitalismo setentrional e da Australásia vinham se engajando mais e mais com o sucesso do capitalismo de livre mercado. De fato, entre a queda da URSS e hoje, não me recordo de nenhum partido ou líder desse viés que tenha denunciado o capitalismo como sendo inevitável. Nenhum agrupamento político esteve mais engajado com o capitalismo que o Novo Trabalhismo. Em suas políticas econômicas, tanto Tony Blair quanto Gordon Brown (até outubro de 2008) podem ter sido descritos, sem exagero real, como Thatcher de calças. O mesmo se aplica ao Partido Democrata nos Estados Unidos.
A ideia básica do Partido Trabalhista desde os anos 1950 foi que o socialismo era desnecessário, porque era possível confiar no sistema capitalista para prosperar e gerar mais riqueza que qualquer outro. Tudo o que os socialistas precisavam fazer era assegurar a distribuição equitativa da riqueza. Desde a década de 1970, porém, a globalização cada vez mais acelerada dificultou mais e mais e enfraqueceu fatalmente a base tradicional de apoio e das políticas do Partido Trabalhista e, de fato, de qualquer partido social-democrata. Na década de 1980, muitos concordaram que, para que o navio trabalhista não encalhasse, algo que era uma possibilidade real na época, seria preciso que fosse reformado.
Mas ele não foi reformado. Sob o impacto do que viu como sendo o revival econômico thatcherista, desde 1997 o novo trabalhismo aderiu plenamente à ideologia –ou melhor dizendo, à teologia– do fundamentalismo de livre mercado global. A Grã-Bretanha desregulamentou seus mercados, vendeu suas indústrias a quem desse o lance maior, parou de produzir mercadorias para exportação (diferentemente da Alemanha, França e Suíça) e apostou suas fichas em transformar-se no centro global dos serviços financeiros –logo, um paraíso de lavadores de dinheiro zilionários. É por esse motivo que o impacto da crise mundial sobre a libra e a economia britânica hoje provavelmente será mais catastrófico que sobre qualquer outra grande economia ocidental –e que a recuperação plena talvez seja mais difícil.
Você pode imaginar que tudo isso já tenha ficado para trás. Estamos livres para retornar à economia mista. A velha caixa de ferramentas dos trabalhistas voltou a estar disponível –tudo, até a nacionalização–, então vamos simplesmente voltar a usar as ferramentas que os trabalhistas nunca deveriam ter guardado, para começo de conversa. Mas isso sugere que saibamos o que fazer com elas. Não sabemos. Para começo de conversa, não sabemos como superar a crise atual. Nenhum dos governos do mundo, bancos centrais ou instituições financeiras internacionais sabe: todos são como um cego que tateia em busca da saída de um labirinto, batendo nas paredes com tipos diferentes de bengalas, na esperança de encontrar a saída. Outro problema é que subestimamos o grau de dependência que os governos e os tomadores de decisões passaram a ter das injeções de livre mercado que há décadas os fazem sentir-se tão bem. Será que realmente abandonamos a premissa de que a empresa privada com fins lucrativos é sempre a maneira melhor, porque é mais eficiente, de fazer as coisas? Que a organização e a contabilidade das empresas devem servir de modelo até mesmo para os serviços públicos, a educação e a pesquisa? Que o abismo crescente entre os super-ricos e os outros não tem tanta importância assim, desde que todos os outros (exceto a minoria dos pobres) estejam se saindo um pouco melhor? Que o que um país precisa, sob todas as circunstâncias, é de crescimento econômico e competitividade comerciais máximos? Acho que não.
Mas uma política progressista precisa de mais do que apenas uma ruptura maior com as premissas econômicas e morais dos últimos 30 anos. Ela precisa de um retorno à convicção de que o crescimento econômico e a riqueza dele decorrente são um meio, e não uma finalidade. A finalidade é seu efeito sobre as vidas, as oportunidades de vida e as esperanças das pessoas. Veja o caso de Londres. É claro que importa para todos nós que a economia de Londres cresça. Mas a prova da riqueza enorme gerada em partes da capital não é o fato de ter contribuído com 20%-30% do PIB britânico, mas como afeta as vidas dos milhões de pessoas que vivem e trabalham em Londres. Que tipo de vidas estão disponíveis para elas? Elas têm condições financeiras de viver na cidade? Se não tiverem, o fato de Londres também ser um paraíso para os super-ricos não vai compensar por isso. Elas conseguem encontrar trabalhos com salários decentes, ou conseguem encontrar algum trabalho? Se não, não adianta gabar-se dos restaurantes com estrelas Michelin e seus chefs que tanto se promovem. Há escolas para as crianças? A escassez de escolas suficientes não será contrabalançada pelo fato de que as universidades londrinas poderiam montar um time de futebol apenas com ganhadores do Prêmio Nobel.
A prova do valor de uma política progressista não é privada, mas pública; não consiste apenas na elevação da renda e do consumo de indivíduos, mas na ampliação das oportunidades e daquilo que Amartya Sen chama de “capacidades” de todos, por meio da ação coletiva. Mas isso significa, precisa significar, iniciativas públicas sem fins lucrativos, mesmo que seja apenas na redistribuição do acúmulo privado. Significa decisões públicas voltadas para o desenvolvimento social coletivo, que deve beneficiar todas as vidas humanas. Essa, e não a maximização do crescimento econômico e das rendas pessoais, é a base da política progressista. Em nenhum lugar isso será mais importante do que quando enfrentamos o maior problema que temos pela frente neste século, a crise ambiental. Seja qual for o logotipo ideológico que escolhermos para isso, enfrentar essa crise vai exigir um afastamento importante do livre mercado e uma aproximação da ação pública, afastamento maior do que algo que o governo britânico já tenha cogitado. E, dado o caráter agudo da crise econômica, essa mudança provavelmente precisará ser realizada em relativamente pouco tempo. O tempo não está do nosso lado.
Tradução de CLARA ALLAIN

Nenhum comentário:

Postar um comentário