Retomando as atividades blogueiras, temos na série
DIÁLOGOS DE BASE um bate papo com JOÃO PAULO FURTADO DE OLIVEIRA, que estuda na UFMG e
fez parte recentemente da Diretoria de Direitos Humanos da UNE (União Nacional
dos Estudantes). Militante do movimento estudantil, merece nossa atenção por si
tratar de um mutuense em uma entidade de alcance nacional.
1)
Você é filho de nossa terra e fez parte recente da UNE. Mas nos fale primeiro
da sua vida acadêmica. Onde e qual curso você estuda? Por que escolher um curso
na área das ciências humanas?
Faço ciências sociais na UFMG, em Belo Horizonte. Um dos
principais motivos que me levaram ao campo das ciências humanas foi minha militância,
o desejo de contribuir melhor para as lutas sociais que travamos no dia-a-dia
através dos movimentos populares, pastorais e outros espaços.
2) Como
surgiu a sua militância política e social?
Parte de minha militância veio de berço. Vivi toda minha
infância com o envolvimento de minha família na militância partidária, nas CEBs
e pastorais sociais. Com mais ou menos 15 anos entrei no grupo de jovens
Escalada, que funcionava até pouco tempo na comunidade São Sebastião (no bairro
Cantinho do Céu), com pouco tempo já assumi tarefas de coordenação na PJ. Dias
depois de completar 16 anos, fui logo tirar meu título e já pedi minha filiação
ao Partido dos Trabalhadores.
3) Em
que a PJ (pastoral da juventude) contribuiu para a sua militância?
Embora tenha tido influência dentro de casa, meu
envolvimento na Pastoral da Juventude foi fundamental pra me inserir de vez na
militância social e política. A PJ tem uma dinâmica muito própria de inserção
do jovem na vida comunitária, o que poucos grupos de juventude conseguem fazer
com tamanho êxito nesses tempos de extremo individualismo. Quando nos
identificamos enquanto comunidade, nossa vontade de mudar as coisas, desde o
âmbito mais local até o mais global, cresce muito e, com isso, aumenta também
nosso interesse pela política.
4)
Como foi seu engajamento no movimento estudantil?
Antes de falar do meu engajamento no movimento estudantil
quero falar um pouco da experiência que tive quando mudei para outra cidade.
Foi, com toda certeza, um momento muito marcante pra mim, porque tive que
abandonar minha vida em Mutum pra viver em outro contexto, em outra cultura, em
outro ritmo. Essa mudança me fez afastar de qualquer espaço de militância
naquele período. Eu tinha certa aversão ao movimento estudantil pelo ambiente
de disputa, nem um pouco saudável, que existe lá dentro o tempo todo. Num certo
momento, percebi que as críticas que eu tinha eram compartilhadas também por
outras pessoas (algumas da PJ que conheci na universidade). Foi daí que
resolvemos construir uma chapa para disputar o Diretório Central dos Estudantes
da UFMG no final de 2012, e ganhamos. Assumi a tesouraria do DCE e organizei
com outros amigos um coletivo de movimento estudantil, a partir daí eu me
reencontrei com a militância.
5) Como
você chegou a uma diretoria da UNE?
Sem sombra de dúvida, aquela plataforma que a gente
apresentou com a nossa chapa em 2012 contagiou grande parte do movimento
estudantil do Brasil inteiro, afinal o DCE-UFMG é um dos maiores do país. Logo
que assumi a gestão na executiva do DCE, já recebi o convite do coletivo que
fazia parte nacionalmente para representá-los na direção da UNE. A nossa tese
Refazendo a UNE, que integrava o Campo Popular junto com outros coletivos,
conseguiu eleger a 2º Diretoria de Direitos Humanos que eu ocupei de agosto de
2013 até dia 14 desse mês de julho, quando outra gestão tomou posse.
6)
Quais ações você desenvolveu na UNE?
Nossa gestão na UNE foi marcada logo de início pela
turbulência política em nosso país naquele ano e que segue até hoje. Poucas
vezes na história a bandeira dos direitos humanos foi levantada tantas vezes
nos debates públicos pelo Brasil afora. O estopim de junho de 2013 não foi o
aumento das passagens de ônibus, foi a truculência da polícia militar que
indignou milhões de jovens que resolveram sair às ruas para cobrar mais
direitos do Estado. Já no final de 2013, participamos ativamente dos debates no
Fórum Mundial de Direitos Humanos realizado em Brasília. Em 2014, organizamos
várias intervenções da UNE nos atos de “descomemoração” do cinqüentenário do
golpe de 64, fazendo uma ampla campanha que exigia a revisão da Lei da Anistia
e o fim dos resquícios da ditadura, incluindo a polícia militar. Participamos
também das mobilizações em torno da aprovação do Plano Nacional de Educação que
garantiu a meta de investimento de 10% do PIB para a educação pública em até 10
anos.
7) Como
você vê o movimento estudantil hoje?
O movimento estudantil tem que se reinventar
urgentemente. Se junho de 2013 deu um recado muito claro pro Estado brasileiro,
também o deu para as organizações sociais e políticas de nosso país que sofrem
de uma grave crise de representação. Todos os momentos de maior participação
política em nossa história foram acompanhados pela capacidade de mobilização e
liderança dos movimentos populares. A UNE, que esteve à frente das maiores
lutas da juventude brasileira desde sua fundação na década de 30, já não
consegue mais dialogar com a base dos estudantes, muito menos da juventude.
Tivemos um período de grande ascensão social e pela primeira vez a classe
trabalhadora está nos bancos da universidade. Contraditoriamente, o movimento
estudantil ainda não conseguiu dialogar com essa nova classe trabalhadora e
sofre as consequências políticas disso.
8)
Em que precisamos, enquanto sociedade, avançar nas questões de direitos
humanos?
Vivemos um período triste em nossa história. Nas últimas
eleições, a sociedade brasileira elegeu o congresso mais conservador desde 1964
(ano do golpe de Estado), e esse congresso é o reflexo do crescimento de forças
reacionárias em nosso país. Todo dia temos visto notícias de intolerância por
motivação religiosa, política, étnica, entre outras. Diariamente pessoas têm
sido violentadas por questão de gênero, raça ou orientação sexual. Tudo isso é
incompatível com a ideia de um Estado democrático e laico, como está garantido
em nossa Constituição.
Precisamos avançar e muito em nossas lutas pela garantia
dos direitos humanos, mas nossos enfrentamentos mais urgentes, hoje, são para
impedir o retrocesso. Se for pra sintetizar tudo em um único exemplo podemos
citar a PEC que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Toda a
argumentação usada pelos setores que defendem a proposta se baseia no combate à
impunidade. É preciso que se diga que nenhum dos países que reduziram a
maioridade penal reduziram a violência, que a ideia de que no Brasil todo tipo
de crime fica impune é falsa porque temos a 4º maior população carcerária do
mundo e também que as condições de nosso sistema penitenciário são desumanas.
Encarcerar a juventude não resolve o problema da violência e ainda aumenta
outros problemas já existentes.
A elite, os setores conservadores e a grande mídia
criaram um imaginário em nossa sociedade de que direitos humanos foi inventado
pra proteger bandido. É preciso, antes de tudo, tomar para nós a tarefa de
desconstruir esse pensamento todo dia. A garantia dos direitos humanos é parte
fundamental da construção de qualquer democracia no mundo.
9)
Qual recado você quer deixar nessa entrevista para a juventude?
Como militante jovem, o convite que eu faço é para que a
juventude assumam seu protagonismo enquanto sujeito de direitos. Um jovem
guerrilheiro já falava, há um tempo atrás, que ser jovem e não ser
revolucionário é uma contradição genética. A história é testemunha de que o
mundo mudou pra melhor toda vez que a juventude se rebelou contra as
injustiças, então sejamos protagonistas no presente para que tenhamos um amanhã
melhor do que hoje.