segunda-feira, 14 de abril de 2014

QUEREM O POUCO QUE RESTA

Mineroduto de 482 km pode provocar falta de água no norte de Minas

Região semiárida não comporta receber mineração; MP entrou com ação civil para suspender o licenciamento / Foto: Mídia Ninja
Maíra Gomes
Belo Horizonte (MG)
O Norte de Minas Gerais é palco de disputa para a implantação do que pode ser o maior empreendimento de extração e transporte de minério da história da região. O projeto de mineração Vale do Rio Pardo, da empresa Sul Americana de Metais S/A (SAM), pretende construir uma mina para extração do minério de ferro no município de Grão Mogol, local onde o minério será também beneficiado, e construir de um mineroduto de 482 Km de extensão, para o transporte para o porto de Ilhéus (BA). O projeto prevê um custo de R$3 bilhões.
Durante audiência pública realizada na última quarta-feira (9) pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Ministério Público Estadual (MP) informou que ingressará com ação civil pública nos próximos 15 dias solicitando a suspensão do pedido de licenciamento ambiental, em trâmite no Ibama desde 2012. Se o pedido for aprovado, a SAM receberá uma licença prévia para iniciar as obras.
O MP alega que, para se ter dimensão total dos impactos, é importante que o projeto seja avaliado como um todo, não de forma fragmentada. O EIA/RIMA apresentado pela empresa contempla apenas o mineroduto e o chamado Bloco 8, que tem possibilidade de exploração por 25 anos. No entanto, o projeto total ainda conta com outro bloco, o 7, não incluído no estudo de impacto. Após ser questionado, o diretor de Relações Institucionais da SAM, Geraldo Magela, não garantiu que o Bloco 7 também não seria explorado nesses 25 anos.“Eles pedem um estudo menor pra ter mais chance de aprovar, mas pedem depois aditivos e vão dobrar a produção, o que vai causar um impacto ainda maior. Acho que a chance do MP ganhar é grande”, acredita o deputado estadual Rogério Correia (PT), que fez o pedido da audiência.
Desperdício de água onde já não tem

O uso da água é o que mais preocupa a população local e os movimento sociais. Adair Pereira de Almeida, morador de Grão Mogol e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), lembra que a região sofre com a estiagem, já que em nove meses do ano o nível de água dos rios e igarapés baixam significativamente. Ele explica que a mineração já utiliza uma quantidade tão grande de água que não deveria ser permitida a extração em regiões semiáridas, como é o caso do Norte de Minas. Com a implantação do mineroduto, que compreende o transporte do minério por canos através da água, seria ainda mais complicado. “O mineroduto vai enxugar a água. Quando chegar a hora da seca, a empresa não vai diminuir a produção porque está faltando água pra população. E as comunidades é que vão sofrer”, declara.
A empresa SAM já tem a outorga, ou seja, o direito de uso, de 6200 mm³/hora de água da Barragem de Irapé, localizada em Grão Mogol. O valor representa 14% de toda a capacidade de cessão da água da barragem, que está instalada no rio Jequitinhonha, um dos maiores da região, responsável por abastecer milhares de famílias e comunidades, que vivem basicamente da agricultura familiar.
Na audiência pública, o diretor da empresa informou que a SAM pretende ainda construir outra barragem no local, no rio Vacaria. Dali deverá retirar a água necessária para cobrir as necessidades do projeto, além de ceder 4 mil mm³/hora para o governo investir em abastecimento humano e irrigação. No entanto, Adair afirma que a água dificilmente terá utilidade real, pois estará contaminada. “A água é contaminada na cava [local de extração do minério], quando alcança os lençóis freáticos, e também na barragem de dejetos. Apesar das proteções obrigatórias, sempre há problemas e falhas, o que causa a contaminação.
Decreto pode retirar famílias
Em janeiro deste ano, o governo estadual publicou o Decreto com Numeração Especial 30, de utilidade pública, para “desapropriação de pleno domínio ou constituição de servidão” de terrenos nos nove municípios afetados pelo empreendimento: Águas Vermelhas, Berizal, Curral de Dentro, Fruta de Leite, Grão Mogol, Novorizonte, Padre Carvalho, Salinas e Taiobeiras. O decreto abre brecha para a desapropriação dos terrenos atingidos a qualquer momento. O deputado Rogério Correia afirmou que vai entrar com um projeto de lei na ALMG pedindo revogação do decreto.
Exploração: projeto de governo
O militante do MAB Pablo Andrade Dias afirma que o projeto Vale do Rio Pardo evidencia o projeto neoliberal em curso em Minas Gerais. “O papel do Estado tem sido facilitar e operar os interesses do capital internacional em Minas. E a mineração entra nesse bojo, de exploração e exportação do minério bruto. Isso não favorece o desenvolvimento industrial do país, apenas retira as riquezas do povo”, aponta.

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