DA SÉRIE: QUAL O SABOR DA LAMA?
NOTA DO BLOG: ARTIGO COMPARTILHADO PARA A NOSSA REFLEXÃO SOBRE A ATUAL CRISE QUE O BRASIL PASSA.
O PT ou se renova ou se mediocriza de vez
16/08/2015
Reza um mito antigo da
cultura mediterânea que, de tempos em tempos, a águia, obsevando em seu corpo
sinais de envelhecimento, fraqueza dos olhos penetrantes, e flacidez das garras
se propunha renovar-se totalmente. Assim fazia também a fênix egípcia que aceitava
morrer para voltar rejuvenescida para nova vida. Qual era a estratégia da
águia? Punha-se a voar cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então as
penas se incendiavam e ela toda começava a arder. Quando chegava a este ponto
extremo, ela se precipitava do céu e se lançava qual flecha nas águas frias do
lago. O fogo nela se apagava.
E então ocorria a grande transformação. Através desta
experiência de fogo e de água, a velha águia voltava a ter penas novas, garras
afiadas, olhos penetrantes e o vigor da juventude.
Queremos aplicar este mito ao PT metido numa crise crucial
que o obriga a renovar-se como a águia ou aceitar o lento envelhecimento até
perder todo o vigor vital e a capacidade de renovação da sociedade, como era
seu sonho primordial.
Para entender melhor esse relato e aplicá-lo ao PT
precisamos revisitar o filósofo Gaston Bachelard e o psicanalista C. G. Jung
que entendiam muito de mitos e de seu sentido profundo. Segundo eles, fogo e
água são opostos. Mas quando unidos, se fazem poderosos símbolos de
transformação.
O fogo simboliza a consciência, o vigor e a
determinação de abrir caminhos novos. A água, ao contrário, representa as
forças do inconsciente, as dimensões do cuidado e a capacidade de entender o
sentido secreto das crises.
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar
em si os opostos: a determinação com a descoberta do sentido real das crises.
Elas acontecem para purificar, limpar de todo tipo de agregado e deixar
aparecer o essencial. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela água permanece
intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o fogo purifica.
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes como
conhecemos em 2011 nas cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro. Com sua
força tudo carregaram, especialmente o que não tinha consistência e solidez.
Numa única noite morreram 903 pessoas e 32 mil ficaram desabrigadas. Foi um
cataclismo de ressonância mundial. É o poder invencível da água.
O fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que
queimam e acrisolam tudo o que é ganga e que não é essencial. O ouro e a prata
passam por esse processo purificador do fogo.
São notórias as crises existenciais. Ao fazermos esta
travessia pela “noite escura e medonha”, como dizem os mestres espirituais,
deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões do ego superficial. Então
amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e verdadeiro. Quem
recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do mito antigo.
Mas existem também as crises maiores, de todo um projeto e
mesmo de todo um partido como o PT. Ele tem que assumir a verdade: teve muitos
acertos que beneficiaram milhões que viviam na pobreza e na marginalidade. Mas
também cometeu erros evitáveis: deixou-se tomar pelo “demônio” do poder como
fim em si mesmo quando deve ser sempre meio. Houve vergonhosa corrupção de
pessoas importantes que destruíram o sonho de toda uma multidão que acreditava
e se esforçava para viver o novo factível.
Mas abstraindo das metáforas e indo diretamente ao conteúdo
real: que significa concretamente para o PT rejuvenescer-se como a águia?
Significa entregar à morte tudo o que de errado praticou e que impede o sonho
de despertar.
O velho no PT são os hábitos e as atitudes da velha política
que servia de instrumento para crescer e perpetuar-se no poder. Com isso perdeu
o sentido originário do poder como meio de transformação em benefício das
grandes maiorias e jamais como fim em si mesmo. Tudo isso deve ser entregue à
morte para o PT poder inaugurar uma forma de relação com os verdadeiros
portadores do poder que é o povo e os movimentos sociais.
Rejuvenescer-se como águia significa também desprender-se de
convicções enrijecidas, de certa arrogância de representar o melhor caminho e
de alimentar a pretensão de estar sempre certo. Muitos dirigentes continuam
manejando conceitos ultrapassados, incapazes de oferecer respostas novas à
crise que devasta os países centrais e agora nos atinge poderosamente.
Rejunecer-se como águia significa ter coragem para recomeçar e estar sempre
aberto a escutar, a aprender e a revisar.
Mas não é isso que está ocrrendo. Até hoje esperamos uma
revisão sincera e o reconhecimento público de seus erros. Seus líderes imaginam
que assim fazendo, dão armas aos adversários, quando mostrariam ser mais fiéis
mais à verdade do que à própria imagem.
O PT que se apresentava como uma águia de alto voo, corre o
risco de se transformar em galinha comum que apenas cisca o chão e faz voos
rasteiros. Não é esse o destino que a história lhe quer reservar.
Por último, se o PT quiser se renovar como uma águia deve
regressar ao seio do povo. Este lhe dará belos exemplos de luta, de trabalho,
de inteireza ética e também duras lições. Essa imersão é salvadora e renovadora
como foi para a águia o arder em fogo e o mergulhar nas águas frias. Só assim
pôde se rejuvenescer. Para o PT isso não é uma metáfora mas um desafio.
Leonardo Boff é colunista do JB on line e escritor
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