segunda-feira, 11 de setembro de 2017

FREI BETTO E A AMAZÔNIA

 “Devemos sair da zona de conforto e salvar nossa Mãe”

Frade e ativista pelos Direitos Humanos fala sobre decretos que liberam a exploração de minérios.


Frade dominicano e autor de mais de 60 livros, Frei Betto atendeu rapidamente ao pedido da revista Bodisatva para falar sobre a situação da Amazônia e a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados, proposta pelo governo Temer. O decreto libera (dentro do nosso pulmão precioso de vida) uma área do tamanho do Espírito Santo para exploração de minérios.
A área tem quase 4 milhões de hectares e havia sido delimitada em 1984, durante o regime militar, para exploração mineral estatal. Duas áreas indígenas das etnias Aarai, Wayana e Wajapi, próximas da reserva, também são protegidas. Todas são ricas em ouro, manganês, ferro e cobre.
A exploração era premissa apenas do Estado e, segundo fontes ambientalistas, a área havia sido pouco utilizada até agora, apesar de o governo informar em nota oficial que o garimpo ilegal está depredando a região.
“Temos uma visão utilitarista da natureza, como mera fonte de lucro. Perdemos a consciência de que somos parte e fruto da natureza. Não temos consciência de que a natureza pode muito bem viver sem nós, como ocorreu em bilhões de anos do passado, mas nós não podemos viver sem ela. Viver é dar um beijo na boca da natureza, pois quando aspiramos absorvemos oxigênio que nos é fornecido pelas plantas e os plânctons, e quando expiramos alimentamos de gás carbônico as plantas e os plânctons”, afirma Frei Betto.
Doutor Honoris Causa em Filosofia, concedido pela Universidade de Havana em outubro de 2015, Frei Betto é ligado à Teologia da Libertação, militante de movimentos pastorais e sociais, sócio fundador do Programa Todos pela Educação e colabora com vários jornais, revistas, sites e blogs, no Brasil e no exterior. Ele envia sua mensagem aos brasileiros e brasileiras: 
"Devemos sair da zona de conforto. Para isso, precisamos organizar a esperança. Precisamos nos comprometer com todos que lutam pela preservação ambiental”, nos convoca o frei.

RB : Diante das imagens da nossa Amazônia, dos noticiários sobre as resoluções do governo, dos decretos liberando áreas para exploração de mineração, como o senhor se sente?
Frei Betto: “Sinto-me triste, pois a Amazônia é um dos raros pulmões do mundo e dela dependem as chuvas que irrigam o continente do sul da Flórida ao sul da Patagônia. Nossos governos são capachos do capital e desinteressados da preservação do meio ambiente. Não pensam nas futuras gerações. A Terra já perdeu sua capacidade de autorregeneração. Ou há intervenção humana, urgente, ou o desequilíbrio ambiental pode apressar o Apocalipse. Insisto para que todos leiam e estudem a encíclica socioambiental do papa Francisco, “Louvado Sejas”, o mais importante documento de toda a história da ecologia, pois além de apontar os efeitos, denuncia as causas da devastação”.

Como o senhor percebe esse movimento de exploração desenfreada, quando os seres humanos olham para natureza apenas como recursos que podem ser explorados? 
Frei Betto: “Temos uma visão utilitarista da natureza, como mera fonte de lucro. Perdemos a consciência de que somos parte e fruto da natureza. Foram precisos 13,7 bilhões de anos de evolução do Universo para que, nos últimos 250 mil anos, surgissem esses seres inteligentes chamados homens e mulheres. Não temos consciência de que a natureza pode muito bem viver sem nós, como ocorreu em bilhões de anos do passado, mas nós não podemos viver sem ela. Viver é dar um beijo na boca da natureza, pois quando aspiramos absorvemos oxigênio que nos é fornecido pelas plantas e os plânctons, e quando expiramos, alimentamos de gás carbônico as plantas e os plânctons”.

Como descreveu Teilhard de Chardin, toda a natureza é dotada de consciência. O senhor acredita que existe um movimento ao mesmo tempo de transformação e auto-organização no mundo, diante desses tempos de profundas mudanças rápidas e líquidas?
Frei Betto: “Existem muitos que lutam bravamente por isso, mas a força do capital, das corporações transnacionais, é muito maior. A mídia nos incute o medo do próximo, que pode ser um bandido, um oportunista, um terrorista, mas não nos incute o temor da destruição acelerada do nosso planeta. Porém, é preciso resistir e, em especial, tornar a questão um tema transversal na educação”.

Alguns autores, como Michel Maffesoli, nos lembram que estamos vivendo o retorno da espiral afetos, que inclui o reencantamento do mundo, onde o afeto e as relações humanas estão retornando como prioridades. Muitos autores o criticam por isso, mas, na sua visão, existe um caminho em espiral?
Frei Betto: “Infelizmente não sou tão otimista quanto o Maffesoli, embora eu adote como axioma “há que guardar o pessimismo para dias melhores”. As novas tecnologias, positivas em si, favorecem o individualismo. Há mais amizades virtuais que reais. Temos muitos conhecidos, porém poucas amizades. E Aristóteles enfatiza que, para ser feliz, uma pessoa precisa, como primeira condição, ter amizades.”

Como conseguir nos acalmar e ter uma vida de virtudes, relacionando a nossa vida com a da própria natureza?
Frei Betto: “Praticando a meditação, tendo contato direto com a natureza, aprendendo a amar o silêncio”.

O senhor fala em meditação como prática. Como é sua relação com o Budismo?
Frei Betto: “Buda me ensinou duas coisas muito importantes: graças à meditação, posso me desapegar de pessoas, gostos, cargos, ambições, invejas, competições etc. E assim evito o sofrimento. A dor se tira com medicamento; o sofrimento, com meditação. A segunda lição é que a mente não é confiável, e a meditação ajuda a discipliná-la”.

Por fim, gostaria que o senhor nos enviasse uma mensagem, em especial, relacionada às questões ambientais, como o aquecimento global, as mudanças climáticas e as nossas florestas e povos indígenas.
Frei Betto: “Vamos organizar a esperança! Sair de nossa zona de conforto e nos comprometer com todos que lutam pela preservação ambiental. Vamos denunciar a ganância do capital e exigir rigorosa punição às devastações, como no caso da Samarco, em Mariana (MG), ainda impune. Somos filhos e filhas da Terra, a Pacha Mama, como dizem os indígenas andinos, e devemos salvar a nossa Mãe com todo ardor e amor”.

*Por Janaína Araújo | Revisão Fábio Rocha

FONTE: https://www.facebook.com/gilvander.moreira/posts/1286395038155269

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