TUDO COMEÇOU COM A
JUDICIALIZAÇÃO
Hoje, lamentamos a dominação do Judiciário sobre nossa democracia. Mas tudo
começou com a substituição da conquista do apoio e convencimento do cidadão
pela destruição da vontade do cidadão pela decisão de um juiz.
Desde 2012, tivemos um prefeito cassado por dia. 136 prefeitos foram
destituídos de seu cargo em função de uma ação de seus opositores. Outros 93 procuram
segurar seu posto com recursos. Os Estados campeões deste expediente são São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Justamente os Estados que governaram o
Brasil e possuíam larga experiência no jogo político. Abandonaram o jogo e
decidiram fazer cerco ao judiciário.
O termo é dado como originalmente elaborado por Tate e Vallinder, para quem a
judicialização é a reação do Judiciário quando provocado que acaba por revisar
a decisão de um poder político, o que levaria a ampliar seu poder em relação
aos demais poderes.
A questão que importa é mais que a assimetria da ação entre os poderes, tese
explorada no meio acadêmico, que sugere a contradição da decisão judicial se
fazer sobre decisões eminentemente políticas.
A questão que me parece central é a falta de apetite político das lideranças
sociais e representações institucionais. Aqui é que me parece ter entornado o
caldo. Porque o judiciário se movimento a partir de uma provocação externa.
Haveria o exagero e sobreposição do Ministério Público, que no Brasil assume um
papel de liderança política sem o beneplácito do eleitor. Mas gostaria de
explorar o abandono da política pelos atores deste jogo.
Ernane Rodrigues de Carvalho publicou na Revista de Sociologia e Política (ver
"Em Busca da Judicialização da Política no Brasil: apontamentos para uma
nova abordagem") como grupos de interesses decidiram participar nas ações
judiciais. Apresenta dados impressionantes. "Tomando como base analítica
as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), podemos constatar que, das
2.813 ADINs impetradas até 26 de junho 2003 (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
2004), um total de 740 (ou 26,31%) foram requeridas por confederações sindicais
ou entidades de classe", sustenta. Os sindicatos são o segundo agrupamento
a utilizar este instrumento (o primeiro agrupamento é o de governadores). Logo
em seguida, aparecem os partidos políticos: 20,9% das ADINs são impetradas por
eles (tendo como ápice os dois anos seguintes às eleições municipais). De 1988
até 1998, tivemos 74% das ADINs impetradas oriundas de partidos de oposição.O
fenômeno, portanto, vem desde o final do século passado e invade o século XXI
como padrão de comportamento na disputa política entre partidos.
Talvez, o fenômeno tenha sido fomentado pelo impeachment de Collor. Mas revela
algo ainda mais grave: o advento da política como negócio.
Com a judicialização, o que menos importa é a conquista do eleitor. Importa
muito pouco a presença nos locais de moradia e trabalho dos cidadãos. A
eleição, neste caso, é um interregno da administração do dinheiro público e do
poder institucionalizado.
Daí emerge uma geração pobre e tecnocrática de políticos. Despossuídos do poder
de oratória, parecem plastificados. Orientados por um staff composto por
técnicos sem visão estratégica, a política virou atos de uma organização focada
no negócio. Não por outro motivo, se sentem à vontade entre empresários,
advogados e marqueteiros.
O grave desta situação é que há uma nítida interdição entre as demandas sociais
e o ânimo efetivo das autoridades políticas em encaminhá-las e solucioná-las.
Justamente porque não foram forjadas para isto.
Este fenômeno é grave porque estou sugerindo que os partidos e seus eleitos não
são formados para representar e atender os interesses de quem representam, os
cidadãos. São formados para construir teias de relações que perpetuam seu
negócio político, de tal maneira que se aproxima da plutocracia.
Este é o nó crítico em que nos metemos. A política não é mais política no
Brasil. É negócio.